A psicologia social do ‘Baleia Azul’

By setembro 5, 2018Uncategorized

Angélica Oliveira
Mestranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na Universidade de Brasília e pesquisadora do Influência

Jonathan Jones
Doutorando em Ciências do Comportamento na Universidade de Brasília e pesquisador do Influência

Raquel Hoersting
Ph.D. em Psicologia Clínica, Associate Director of Clinical Experience na University of Prince Edward Island (Canadá) e pesquisadora associada do Influência

A partir de 2016, mais uma ameaça digital passou a tirar o sono dos pais. Era o jogo Baleia Azul, que consistia em uma série de desafios que culminaria com o suicídio do participante. Para a psicologia social, a disciplina científica que estuda como influenciamos e somos influenciados, o Baleia Azul aproveitaria-se, de forma engenhosa, de tendências existentes nas pessoas para atraí-las e mantê-las no jogo. Um dos maiores estudiosos dessa área é Robert B. Cialdini, professor emérito de Psicologia da Universidade do Estado do Arizona (EUA), que identificou diversos princípios psicológicos ligados à mudança comportamental de indivíduos. Dois deles podem ser encontrados nas tarefas do Baleia Azul e parecem desempenhar um papel-chave na dinâmica do jogo.

blue-whale-gameO primeiro deles é o “princípio da consistência”, um motivador central do comportamento humano e provavelmente a principal força por trás do jogo. Ao introduzir previsibilidade no relacionamento entre os seres sociais, a consistência é chave para facilitar a convivência entre estes. O enorme poder exercido por essa tendência explica, por exemplo, o desconforto mental provocado pela coexistência de duas crenças ou pensamentos contraditórios na mente do indivíduo, fenômeno que a psicologia nomeia de “dissonância cognitiva”.

No Baleia Azul, o comprometimento é o gatilho que ativa a consistência. O truque do jogo é começar com pedidos iniciais pequenos, como assistir a filmes de terror durante a madrugada. Ao realizar essas tarefas iniciais mais simples, a armadilha do comprometimento é ativada, estimulando o participante a cumprir os desafios seguintes. Ou seja: ao comprometer-se com a tarefa inicial, cria-se uma tendência automática para que o jogador aja de forma consistente e conclua os demais desafios. Esse é um fenômeno simples, mas bastante poderoso, conhecido pela psicologia social como “pé-na-porta” (Freedman & Fraser, 1966). Fora do Baleia Azul, esse mesmo mecanismo tem usos muito menos sinistros, tendo sido utilizado para aumentar o número de doadores de sangue e ajudar as pessoas a pararem de fumar.

A “prova social” é outra tendência que ajuda a explicar o impacto persuasivo do Baleia Azul nos jovens, estando bastante associado a casos de suicídio. De acordo com esse princípio, o indivíduo comum está mais propenso a consentir com um pedido se ele for coerente com o que os seus semelhantes parecem pensar. Essa é a força por trás do chamado “efeito Werther” (Phillips, 1974), de acordo com o qual um suicídio ostensivamente noticiado pela mídia pode tornar-se contagioso, encorajando cópias. O conceito de prova social foi utilizado para se tentar compreender as causas do suicídio coletivo dos membros da seita Templo dos Povos, na Guiana em 1978 (Cialdini, 2006). Comandados pelo reverendo Jim Jones, 918 de seus seguidores envenenaram-se, a maioria de livre e espontânea vontade. Como explicar isso? Isolados em uma floresta tropical, toda a prova social existente indicava que as ordens do líder religioso deveriam ser cumpridas à risca, e assim aconteceu.

No Baleia Azul, a prova social está presente em vários aspectos do jogo. O intenso contato com o tema, via reportagens, compartilhamentos nas redes sociais e conversas com amigos, criam o sentimento generalizado de que esse comportamento é comum e natural – diminuindo a sensibilidade das pessoas ao tema, normalizando o Baleia Azul e até mesmo gerando empatia pelo jogo – um fenômeno que a psicologia conhece e tem estudado por pelo menos 50 anos. Além de tudo isso, convivência contínua com o assunto pode aumentar a curiosidade e o interesse por ele.

A prova social também pode ser identificada em diversas fases do jogo onde a pessoa deve encontrar-se com outros participantes do Baleia Azul. Ter contato com outros indivíduos parecidos com você mesmo, vivendo circunstância parecidas, é uma maneira de validar a própria conduta, o que pode ser ainda mais potente em jovens depressivos e solitários, o perfil típico do jogador do Baleia Azul. Por estarem distantes socialmente, essas pessoas possuem poucas referências de qual o melhor comportamento a ser adotado – e acabam tomando como exemplo o que pensam outros jogadores, em uma espiral catastrófica.

Sabendo que os princípios apelam a tendências humanas universais, como resistir? Os estudos sobre consistência e prova social mostram que prevenir é ainda o caminho mais efetivo. Impedir que os filhos sequer comecem a jogar o Baleia Azul é a medida fundamental que cabe aos pais. Para tanto, é necessário ser cauteloso antes de concordar com pedidos, por mais triviais que possam parecer.

Já a prova social pode ser propositalmente manipulada para criar um ambiente saudável. As amizades constituem um indicativo muito claro de qual é o comportamento esperado entre crianças e adolescentes. Cercar-se de influências positivas, em um ambiente de respeito mútuo, é definitivamente a melhor defesa contra a evidência social negativa.

Referências

Cialdini, R. B. (2006). Influence: Science and practice. Boston: Allyn & Bacon.

Freedman, J. L., & Fraser, S. C. (1966). Compliance without pressure: The foot-in-the-door technique. Journal of Personality and Social Psychology, 4(2), 195-202.

Phillips, D. P. (1974). The influence of suggestion on suicide: Substantive and theoretical implications of the Werther effect. American Sociological Review, 39(3), 340-354.

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